Postado por: Felipe Matos junho 22, 2009

Da série "Li, gostei e repasso": Carta a Nelson Rodrigues, escrita por Sérgio da Costa Ramos após o jogaço Avai 3 X 2 Fluminense.



Domingo, 21 de junho de 2009

Carta a Nelson Rodrigues
Meu caro Anjo Pornográfico: Estava escrito há 10 milhões de anos, quarenta minutos antes do Nada, que o Fluminense perderia para o Avaí na Ressacada, aos 48 minutos do segundo tempo, numa intervenção direta do Senhor dos Passos, inconformado com a grave, a cava injustiça que se desenhava em campo: mais um empate sensaborão, mais uma iniquidade do destino.

O azurra jogava como nunca e empatava como sempre. Junto com um maço de Caporal Amarelinho, pito da tua predileção, mando-te o VT do jogo, para que vejas com os teus próprios olhos o passeio que o tricolor tomava no primeiro tempo — e os gols que o meu Avaí perdia no segundo, depois de um empate injusto, estimulado por Sua Senhoria. Sim, tens razão: a arbitragem normal e honesta confere a uma partida um tédio profundo, uma mediocridade irremediável. Só o juiz gatuno, o juiz larápio, dá ao futebol uma dimensão nova e — como dizias — shakespeariana. Pois o Avaí jogava como a Seleção Húngara do Armando Nogueira, deslizando em campo como um cisne de Tchaikovsky.

O primeiro gol, de Muriqui, resultou de uma sinfonia bem acabada, uma Nona de Beethoven, uma Sinfonia número 3, de Chopin — sem querer inticar com um dos seus virtuoses, o nosso emérito tricolor Arthur Moreira Lima. Não chorem, caros Nelson e Arthur, lágrimas de esguicho: aquele gol espírita, emanado da canhota de um Gago, não tinha nada a ver com o Sobrenatural de Almeida. Era a pura materialização da espada da justiça sobre a Terra.

O Avaí jogava futebol — e bem — o tricolor, fazia cera. Acreditem: até o técnico tetracampeão do mundo, Parreira, foi flagrado retendo a bola à beira do campo, tentando fazer o relógio andar. E se a justiça quisesse impor sua verdade sobre o jogo, os ventos da Ressacada teriam testemunhado um massacre. O placar moral da partida não ficaria por menos de 5 a 2 – tivessem William e Lima consumado gols fáceis, gols que até a “grã-fina de nariz de cadáver” faria, mesmo sem saber “quem é a bola”.

Agora sabes, meu caro Anjo, aí das alturas onde cometes o teu voyeurismo: só há uma Squadra Azurra no mundo — e não é a esquadra de Buffon, Gatuso, Cannavaro e Pirlo. A verdadeira azurra, a que faz cosi e tutti quantti, é a azurra de Martini, Muriqui, Marquinhos e Leo Gago. Dirão os idiotas da objetividade, os torcedores anti-celestiais: comemoram o quê, esses azuis? O primeiro lugar da zona do rebaixamento? Pois em verdade vos digo, caro Nelson e amicci rivais: este campeonato brasileiro ainda ouvirá falar de novas epopéias azurras, de novos allegros avaianos, de novos finais intensos e dramáticos, como um Macbeth, um Coriolano, um Julio César, um Otelo, um Hamlet, um Rei Lear — que eu rapidamente adaptaria para Rei Leão.

Modificando todos os desfechos, é claro. Daqui para a frente, o Avaí só conhecerá happy ends.

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